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Os possíveis impactos do PL 2.088/2023 nas negociações com Propriedade Intelectual e as Consequências do Tarifaço de Trump

Na noite de quarta-feira (2 de abril), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.088/2023, que...

Os possíveis impactos do PL 2.088/2023 nas negociações com Propriedade Intelectual e as Consequências do Tarifaço de Trump

Hannah Fernandes e Amanda Felippe

Na noite de quarta-feira (2 de abril), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.088/2023, que institui a Lei da Reciprocidade Econômica. O projeto autoriza o governo brasileiro a adotar contramedidas para países ou blocos econômicos que imponham barreiras comerciais aos produtos nacionais.

O PL havia sido aprovado por unanimidade pelo Senado Federal na terça-feira (1º de abril) e agora segue para sanção presidencial.

Inicialmente concebido para responder às medidas protecionistas da União Europeia, que impunha restrições ambientais como condição para negociação comercial, o projeto ganhou urgência devido às sobretaxas anunciadas pelos Estados Unidos. De autoria do senador Zequinha Marinho (PL-PA) e relatado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), o PL permite que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) adote medidas de retaliação.

Como já havia sido anunciado, também na tarde de quarta-feira (2 de abril), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o plano de tarifas “recíprocas”, aplicando taxas entre 10% e 50% sobre produtos de 126 países que exportam para os EUA. Após semanas de negociações e atuação diplomática, o Brasil foi enquadrado na alíquota mínima de 10%.

A expectativa pelo “tarifaço” de Trump começou logo após a posse do presidente dos EUA, em 20 de janeiro, sendo um dos principais temas da política comercial do novo governo. Segundo a Casa Branca, essa medida representa “uma das datas mais marcantes da história moderna”.

Trump justificou o aumento das taxas argumentando que os EUA estão em desvantagem nas relações comerciais internacionais. Para ele, países que cobram tarifas de importação mais altas são injustos, e a medida visa fortalecer a economia americana, incentivando a produção local em detrimento da importação.

Dentro desse contexto, o PL 2.088/2023 foi adaptado e ampliado com a justificativa principal de dotar o Brasil de mecanismos de defesa contra barreiras comerciais, garantindo a competitividade e os interesses econômicos do país no cenário internacional.

Conforme o texto recém aprovado, o PL visa a estabelecer critérios para a suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual, pelo Poder Executivo e em coordenação com o setor privado, em resposta a ações, políticas ou práticas unilaterais de país ou bloco econômico que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira.

O Artigo 3º do PL concede ao Poder Executivo autorização expressa para implementar contramedidas, tais como a taxação de royalties e suspensão de direitos relativos à propriedade intelectual, impactando frontalmente as transações com bens intangíveis, como marcas e patentes, além da transferência de tecnologia não patenteada (know-how) e a prestação de serviços de assistência técnica, que são mecanismos jurídicos e comerciais fundamentais para a manutenção do desenvolvimento tecnológico nacional.

É evidente que a aprovação do PL 2.088/2023, em caráter de urgência pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, evidencia a preocupação do Legislativo brasileiro em fortalecer seus instrumentos de defesa comercial em face do tarifaço imposto pelos EUA. Contudo, é essencial avaliar os possíveis impactos dessas sobretaxas e do próprio PL nos contratos já celebrados, naqueles que estão por vir e na garantia de segurança jurídica para que o Brasil continue na rota dos investimentos de transferência de tecnologia.

Atualmente, o Brasi depende da celebração de contratos de transferência de tecnologia para produção de vacinas, remédios, bens de consumo duráveis, plantas fabris, químicos, defensivos agrícolas, sementes e a lista não para por aqui. Os serviços de assistência técnica prestados por profissionais estrangeiros capacitam nossos engenheiros, agrônomos, químicos e técnicos de diversas áreas e indústrias produtivas.

Então, no cenário legal de que tais contratos podem ser suspensos ou sobretaxados pelo governo brasileiro, qual será o incentivo que entidades norte-americanas (ou de qualquer outra localidade ou bloco) terão para celebrar acordos no Brasil? Ou seja, por que transferir tecnologia para um país que não assegura a plena vigência dos acordos comerciais celebrados entre as partes interessadas?

Quer dizer. contratos internacionais que envolvem pagamento de royalties e uso de bens de propriedade intelectual, tais como marcas, patentes, know-how, cultivares, software e direitos autorais, estarão vulneráveis. A incerteza causada pelas mudanças bruscas e instantâneas em contratos e tarifas faz com que empresas hesitem em investir e expandir, afetando o crescimento econômico e a previsibilidade nos negócios internacionais

Em última instância, pode-se dizer que a aprovação do PL 2.088/2023 traz um potencial enfraquecimento ao sistema de proteção da propriedade intelectual no Brasil. Isso porque, ao adotar contramedidas que vulnerabilizam transações com intangíveis, abre-se margem para a intervenção estatal em contratos privados, que, de uma hora para outra podem ter os pagamentos comprometidos.

A possível intervenção estatal em contratos privados gera insegurança jurídica e torna o Brasil um ambiente mais arriscado para negociações envolvendo ativos intangíveis. Afinal, se existe uma lei que autoriza o Estado a intervir em contratos privados, os titulares de direitos de propriedade intelectual perdem previsibilidade e confiança no mercado brasileiro.

Um exemplo crítico seria um contrato de licença de patente oneroso em que, por decisão governamental, a exploração da tecnologia seja determinada como gratuita. Isso significaria que detentores de patentes estrangeiras no Brasil, que atualmente lucram com o uso de suas invenções, poderiam ter seus ganhos drasticamente reduzidos ou até eliminados. O resultado, portanto, é um enfraquecimento do Brasil como um destino seguro para transações desse tipo, minando a estabilidade proporcionada pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996).

Outro ponto de incerteza é a forma como essa nova lei será aplicada. O governo brasileiro tem adotado uma postura cautelosa e acredita que novas rodadas diplomáticas podem reduzir ainda mais esse impacto. O fato é que o PL já foi aprovado pelo Congresso e aguarda sanção presidencial. Conforme o artigo 66, caput e §3º, da Constituição Federal, o presidente tem um prazo de 15 dias para sancionar a lei, caso contrário, ela será sancionada tacitamente.

Diante desse cenário, é fundamental um acompanhamento rigoroso da implementação do PL como lei e de seus desdobramentos, a fim de evitar distorções que possam comprometer a segurança construída no Brasil, desde a promulgação da Lei da Propriedade Industrial, para investimentos de titulares de direitos de propriedade intelectual.

A imprevisibilidade quanto à intervenção estatal nas transações de intangíveis pode gerar um efeito desestabilizador, afastando investimentos e criando obstáculos para o desenvolvimento da economia baseada no conhecimento e na inovação.

Para mitigar esses riscos, será fundamental que empresas e profissionais do setor adotem estratégias negociais e jurídicas bem estruturadas. Somente com medidas equilibradas será possível garantir um ambiente de negócios mais estável, previsível e competitivo.

Hannah Fernandes e Amanda Felippe são advogadas do Di Blasi, Parente & Associados – www.diblasiparente.com.br