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Nulidade do plano de recuperação judicial
O Poder Judiciário deve zelar pela observância da Constituição Federal e a incolumidade das leis e, em consequência, na aplicação da Lei nº 11.101, de 2005 (LRFE)
Tardou, mas foi declarada a possibilidade jurídica de anular-se deliberação da assembleia-geral de credores, que aprovou plano de recuperação judicial lesivo aos direitos e interesses dos credores, por "violação do princípio da isonomia, da legalidade, da propriedade e da proporcionalidade e da razoabilidade", pela Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Nos "Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência", coordenado pelos desembargadores Paulo Toledo e Carlos Henrique Abrão, ao tratar do assunto, defendi a tese sufragada pelo TJ-SP, que sintetizo a seguir.
O Poder Judiciário deve zelar pela observância da Constituição Federal e a incolumidade das leis e, em consequência, na aplicação da Lei nº 11.101, de 2005 (LRFE), exerce o "controle da legalidade formal" dos atos processuais e extraprocessuais, como exemplo, verificar em que condições ocorreram a convocação, instalação e deliberação da assembleia de credores. E ainda o "controle da legalidade substancial" das decisões da assembleia de credores - como exemplo apurar se houve violação da lei em prejuízo de credores dissidentes do plano de recuperação - cumprindo-lhe cassar as deliberações contrários às prescrições da LRFE, o que já ocorria sob a égide do revogado Decreto Lei nº. 7.661, de 1945, e subsiste, hoje, no império da Lei nº 11.101, de 2005, com maior amplitude em virtude do fundamento ético, em que se sustenta a LRFE, dos princípios, que a orientam, e dos fins imediatos e mediatos, que colima alcançar.
Com efeito, nos processos concursais modernos, considerados, pela escola francesa, "procedimentos de sacrifício", a lógica do mercado, apanágio do sistema capitalista e da teoria da maximização dos lucros, deve ceder aos cânones da "ética da solidariedade", primeiro e mais sólido fundamento da LRFE!
É possível anular-se deliberação da assembleia-geral de credores
Destarte, para harmonizar os direitos de cada um equanimemente no processo de recuperação judicial da empresa, ao invés do confronto entre o devedor e seus credores, impõe-se a cooperação; ao invés do litígio, a conciliação; ao invés da apologia dos direitos pessoais, a luta para a realização dos fins comuns. E assim, ao invés da defesa egoística e intransigente dos interesses individuais, a busca de soluções solidárias e equitativas dentro da perspectiva de que se deve priorizar a composição consensual dos interesses conflitantes, raramente convergentes se não houver, de parte a parte, a compreensão e a sensibilidade de que é absolutamente indispensável salvar a empresa em crise, que demonstre ser econômica e financeiramente viável, e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos dos credores.
É, ademais, o que resta induvidoso (a) dos princípios da preservação e da função social da empresa; da dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho e da certeza e segurança jurídica e da efetividade do direito de crédito; (b) das finalidades imediatas da LRFE, como soem ser a conservação dos negócios sociais, a continuidade do emprego e a satisfação dos interesses dos credores, e (c) das finalidades mediatas, estimular a atividade empresarial, o trabalho humano e a economia creditícia.
Para atingir esses escopos, é mister realizar uma criteriosa ponderação dos princípios e dos fins da Lei de Recuperação Judicial com fundamento na ideia de que, juridicamente, ponderação - de bens, de valores, de interesses, de fins, de princípios - significa "atribuir pesos a elementos que se entrelaçam" com a finalidade de "solucionar conflitos normativos" (Humberto Ávila), sendo certo que "a solução do conflito terá de ser casuística" e estará "condicionada pelas alternativas pragmáticas para o equacionamento do problema" (Daniel Sarmento).
No processo de recuperação judicial, a assembleia-geral de credores e o juiz da causa deverão emprenhar-se na ponderação dos princípios da conservação e da função social da empresa, da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho e o da segurança jurídica e da efetividade do direito por meio do "Teorema de Colisão", de Alexy, segundo o qual, diante de um choque de princípios, as circunstâncias fáticas determinarão qual deve prevalecer, pois "possuem uma dimensão de peso" verificável caso a caso.
Deverão, outrossim, entregar-se à ponderação dos fins imediatos - conservar a empresa, manter os empregos e garantir os créditos -, através do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, quando, então, talvez, venham a concluir que o caso concreto exige certo e limitado "sacrifício", p. ex.: (a) dos interesses da empresa e de seus sócios em benefício de empregados e credores, ou (b) dos direitos de empregados e credores em prol da empresa, embora, é evidente, os direitos dos credores jamais possam ser solapados pela maioria na assembleia geral.
É o que fica patente também da norma do art. 53, caput, da LRFE, que versa sobre o "plano de recuperação judicial", conforme escrevi alhures: "A finalidade da norma do art. 53 é provar, aos credores e ao juízo, que o valor da empresa em funcionamento não só é superior ao que seria obtido caso se decidisse liquidá-la, como, por igual, que a sua continuidade melhor atende aos múltiplos interesses envolvidos: dos empregados, credores, consumidores e coletividade.