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Cessão fiduciária
As turbulências desatadas pela crise econômica mundial seguidas pelo aumento, no início do ano, de pedidos de recuperação judicial de empresas, geraram polêmica e discussões sobre a real eficácia das normas aplicáveis à recuperação das socieda
As turbulências desatadas pela crise econômica mundial seguidas pelo aumento, no início do ano, de pedidos de recuperação judicial de empresas, geraram polêmica e discussões sobre a real eficácia das normas aplicáveis à recuperação das sociedades no Brasil.
Nesse contexto, em fevereiro último foi apresentado o Projeto de Lei nº 4.586/09 (PL) para alterar a Lei n° 11.101/05 (Lei de Falências), ainda recente em nosso ordenamento jurídico. A alteração proposta pelo PL visa sujeitar os créditos garantidos por cessão fiduciária aos efeitos da recuperação judicial, pretendendo favorecer o reerguimento das empresas.
A discussão, que já atingiu os tribunais, tem gerado decisões controversas, ora a favor da inclusão desses créditos no plano de recuperação judicial, ora seguindo o texto legal em vigor, deixando-os fora da recuperação. Um dos fatores que gera a controvérsia é que os credores desse tipo de garantia são bancos, que atuam como financiadores da atividade empresarial no país. Contudo, apesar da sua importância e atuação privativa, não podemos nos esquecer que tais instituições são “autorizadas” e não “obrigadas” a conceder créditos, sendo livres para negociar melhores condições na contratação de operações financeiras. Assim, observadas as normas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, pode o banco escolher quais operações e garantias irá contratar, conforme a avaliação dos riscos de crédito.
A cessão fiduciária, garantia autoliquidável e excluída da recuperação judicial, é uma das mais seguras e utilizadas no sistema financeiro desde sua introdução na legislação nacional pela Lei n° 10.931/04. Com isso, o legislador promoveu avanço na consolidação do sistema de garantias, ao beneficiar tanto os bancos, submetidos a menor exposição de risco, quanto as empresas que contam com maior facilidade para obter crédito.
Essa linha também permeou a Lei de Falências, pois a recuperação judicial, ao possibilitar que a empresa mantenha a sua produtividade, os empregos e o pagamento de impostos daí decorrentes, visa também atender os interesses de seus credores. Por óbvio, em situação de crise econômico-financeira, para que a sociedade empresária mantenha a sua “fonte produtora” e atinja o objetivo da lei, é fundamental que continue a ter acesso ao crédito oferecido pelos bancos.
Diante desse cenário, é preciso aprofundar a análise do PL quanto aos seus efeitos práticos, para verificar se a sua aprovação efetivamente garantirá a recuperação da empresa. Façamos, então, o exercício de considerar a hipótese de aprovação do PL. O reflexo direto seria a participação dos bancos, enquanto credores da cessão fiduciária, na Assembléia Geral dos Credores, nas quais as deliberações são tomadas por voto proporcional ao valor do respectivo crédito. Os bancos teriam ampla representatividade e grande poder decisório, inclusive sobre a aprovação do plano de recuperação judicial, pois seus créditos, em geral, correspondem a montantes maiores que os demais créditos da sua classe.
Além disso, com o enfraquecimento da cessão fiduciária como forma de garantia, os bancos tenderiam a elevar o custo das operações com maiores taxas de juros para compensar o aumento da exposição de risco, adotando, ainda, critérios mais rigorosos na avaliação do risco de crédito que assumem no repasse dos recursos.
Logo, podemos concluir que a sujeição dos créditos garantidos por cessão fiduciária ao âmbito da recuperação judicial, por si só, não confere o efeito pretendido pelo PL de tornar o processo de recuperação das empresas mais eficaz. E, por outro lado, poderá afetar de forma negativa a concessão de crédito, principalmente diante da atual escassez do crédito em razão da crise financeira mundial.
Cabe a nós, operadores do direito, analisarmos de forma ampla e imparcial as consequências do PL sobre o fomento à concessão de crédito, a segurança jurídica das relações e, especialmente, o Sistema Financeiro Nacional, em detrimento de análises parciais, avessas ao real espírito da lei, e estritamente direcionadas a quem obteria maiores vantagens — se, de um lado, a sociedade empresária devedora ou, de outro, os seus credores, entre eles os bancos.