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As batalhas pela simplificação tributária
Os sistemas tributários modernos evoluíram para se ajustar a novas circunstâncias ditadas pela complexidade das relações econômicas, em virtude sobretudo da globalização e da sofisticação dos negócios financeiros.
Everardo Maciel*
Os sistemas tributários modernos evoluíram para se ajustar a novas circunstâncias ditadas pela complexidade das relações econômicas, em virtude sobretudo da globalização e da sofisticação dos negócios financeiros. Não raro, eles foram também afetados pela utilização intensiva de favores fiscais. De tudo isso restou que os sistemas tributários se tornaram cada vez mais complexos.
Por consequência, ampliaram-se as possibilidades de sonegação e planejamento fiscal abusivo, e elevou-se o custo para cumprimento das obrigações tributárias (custos de conformidade). Em muitos fóruns já se levantou a hipótese de extinção do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), pela incapacidade efetiva de enfrentamento de questões como preços de transferência, elisão fiscal, incorporações, fusões e cisões, etc.
Nos Estados Unidos, os custos de conformidade já representam quase 15% do valor das obrigações fiscais. Normas gerais antielisivas foram incorporadas ao direito positivo na quase totalidade dos países desenvolvidos.
Em contraposição a essa tendência, forjou-se uma reação ao "caos tributário", como assinalou Klaus Tipke ("Moral Tributária do Estado e do Contribuinte"), ao se exigir, em muitos países, a adoção de normas simplificadoras. No Brasil, essa reação se expressou algumas vezes por meio da defesa do imposto único. Na Europa Oriental, a tributação da renda passou a desconhecer faixas, deduções, abatimentos e progressividade, com a instituição do chamado flat tax. Sem fazer juízo de valor sobre as soluções adotadas há evidências de sobra quanto à demanda por simplificação.
Richard Musgrave, principal teórico das finanças públicas modernas, falecido há dois anos, já proclamava, em correspondência datada de 2004, publicada na 1 edição (abril de 2008) da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, a imperiosa necessidade de simplificar a teratológica legislação do imposto de renda americano.
O princípio da praticabilidade que consubstancia os propósitos de simplificação assume hoje uma importância equivalente aos clássicos princípios da capacidade contributiva e da neutralidade. A boa política fiscal é a que consegue dosar equilibradamente esses três princípios.
No Brasil, as maiores conquistas da onda simplificadora foram: a eliminação da correção monetária dos balanços que fazia da legislação do IRPJ matéria ininteligível para o fisco, para os contribuintes e para os especialistas, sobre ser instrumento notável de concentração de renda corporativa; a efetivação e extensão do regime do lucro presumido que trouxe para formalidade prestadores de serviços que promoviam frequentemente o deplorável espetáculo "com ou sem nota fiscal"; e a instituição do Simples que beneficiou as pequenas e microempresas com um regime fiscalmente favorecido e tão simples quanto seu próprio nome sugere.
A batalha pela simplificação tributária, no Brasil, sofreu, nos anos recentes, alguns reveses. O Simples Nacional visava reunir normas federais, estaduais e municipais relativas ao tratamento tributário das pequenas e microempresas: infelizmente, o que era simples tornou-se assustadoramente complicado, elevando em mais de 50% os custos contábeis das empresas. O PIS/Cofins, antes de fácil compreensão malgrado cumulativo, transformou-se em uma colcha de retalhos que sequer o próprio fisco é capaz de entender. A tributação das bebidas, no âmbito do PIS/Cofins e do IPI, que resultava da simples aplicação de uma alíquota ad rem, passou a sujeitar-se a uma miríade de alíquotas que farão a alegria dos sonegadores e propiciarão seguidas e longas disputas judiciais. O IRPF acolheu alíquotas intermediárias cujos benefícios não serão percebidos pelos contribuintes, afora tornar-se mais complexo e caminhar na direção oposta do que tem sido feito no resto do mundo, em um flagrante exercício de demagogia fiscal.
Não se alegue que a proposta de "reforma tributária", em exame na Câmara dos Deputados, ao pretender fundir PIS com Cofins e incorporar a CSLL ao IRPJ, possa ser tida como uma forma de simplificação tributária. Por serem praticamente iguais entre si, a fusão e incorporação propostas são meras parvoíces. É simplista e não simplificadora. Tampouco é razoável admitir que uma legislação do ICMS a ser aprovada pelo Confaz venha a significar simplificação. Seria, caso prosperasse a proposta, um monstrengo a acolher todas as idiossincrasias das diferentes tribos do ICMS, seguramente bem mais complexo do que as vigentes legislações.
Uma simplificação verdadeira envolveria a instituição de um IVA nacional, com legislação federal, fiscalização estadual e arrecadação automaticamente partilhada entre a União, os estados e os municípios. Essa é uma batalha penosa que reclama a ocorrência de excepcional clima político e condições econômicas não demasiadamente adversas. Por ora, por que não promover a simplificação de questões pontuais, porém não menos relevantes?
kicker: O Simples Nacional, que era simples, é hoje assustadoramente complicado
*Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal